quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Um scarpin sem chulé esperando Noel



É Natal e não há como fugir do assunto pelo simples fato de não comemorá-lo dentro dos termos básicos. Não que eu seja estrangeira e siga o calendário Elfo ou qualquer coisa dessa natureza. Mas desde que completei 12 anos de idade, minha mãe decidiu que não comemoraria o Natal. O motivo? Seu filho havia falecido e ela decidiu que não teria nada a comemorar. Achei justo e ignorei a data.

O Natal tornou-se um produto PARA MIM, onde o verbo crucial é COMPRAR. É em dezembro que o extrato bancário vira um livro. E é dezembro que deixa suas marcas por todo o ano vindouro, lembrando em parcelas o espírito-consumidor Natalino. Comemoramos a data indo a alguma instituição de idosos ou de crianças abandonadas. Pegamos algumas cartas de crianças enviadas ao Correio e fingimos ser mamães noéis. Mas nada de ir à Igreja ou orar/rezar diante de uma árvore pomposa. Confesso que gostaria de perder horas numa loja de artigos natalinos, à procura da estrela perfeita para compor a minha árvore de Natal. Mas não acontece, não fazemos nada disso.

Quando meu filho nasceu, decidi que ele teria o Natal que eu tive quando criança. Assim, toda aquela coisa de Papai Noel deixando presentes dentro da sua bota da Xuxa. Claro, trocando apenas a bota da Xuxa por algo do Seninha, do Batman ou qualquer outro personagem. E assim aconteceu. Devo admitir que depois de tentar fazer o papel do "Papai Noel", descobri, taxativamente, que minha mãe era boa nisso (em ser Papai Noel). E eu não. Comprava o presente pro meu filho e queria muito contar-lhe a respeito dele. Não esperava a noite de Natal, ficava muito ansiosa. E suas perguntas sobre Papai Noel me deixavam embaraçada, a tal ponto que rapidamente acabei contando-lhe que EU era o Papai Noel... Talvez cedo demais, mas juro que não lhe causei nenhum trauma. Devo garantir a todas vocês que ele se sentiu muito vitorioso ao me fazer confessar que eu havia mentido por alguns anos.

Minha mãe tinha o dom de negar mil vezes enquanto eu lhe perguntava "Papai Noel existe mesmo?", "Como ele entra?", "De onde ele vem?". Mesmo depois de 11 anos, mocinha inclusive (sim, já menstruava há 1 ano), eu fazia perguntas mais maduras, do tipo "Mas não é ridículo que um homem vestido daquele jeito venha a uma cidade quente como a nossa?" ou "E por que as crianças que realmente precisam não ganham presentes?" ou ainda "Pelo amor de Deus, já sou adulta, você vai continuar mentindo para mim?". Mas ela não cedia, respondia a tudo com uma justificativa irreparável. Ela era boa nisso. Muito boa.

Não lembro quando realmente descobri que Papai Noel não existia. Talvez tenha sido no dia em que eu dormia, numa sexta-feira qualquer, depois de brincar muito na rua com os meus amigos. No dia que acordei, ouvindo as vozes dos meus pais. Eles falavam, um atropelando o outro. Meu pai estava bêbado, percebia isso no tom da voz e, por isso, eu estava assustada. Quer dizer, era muito assustador ir ao seu encontro quando ele estava naquele estado. Levantei com uma camisa da copa passada e fiquei assustada quando os portões da minha casa estavam todos escancarados e meus pais, sentados no meio-fio, discutiam. Ora, não era realmente estranho uma coisa como essa? Era.

O que minha mãe disse foi "Volte a dormir". Talvez minha mãe tivesse tendo uma de suas brigas com meu pai por conta do álcool. Não contestei a sua ordem. Quando se tem 12 anos é fácil adormecer, definitivamente. Apaguei rápido. Depois de algumas horas fui acordada por barulhos lá fora, agora toda vizinhança e parentes estavam na minha casa. Minha mãe entrou abruptamente no meu quarto, dizendo: "Quero que você saiba que seu irmão sofreu um acidente e está no hospital". Olhei para ela com certo pavor, sinceramente. Decidi que ela estava mentindo. E estava. Logo, outras pessoas apareceram no meu quarto em lágrimas. Meu irmão se parecia muito comigo, entende? Olhar-me era como vê-lo na versão feminina. Então, devo admitir que ME VER era como um choque para todos que estavam ali.

Não tenho grandes memórias com meu irmão. Brigávamos muito e ele me batia bastante, por ser mais velho que eu. Lembro vagamente que dias antes de sua ida definitiva, batemos uma bola no jardim de casa - Algo REALMENTE incrível, já que vivíamos em desacordo. Sabe, quando as pessoas morrem viram santas, as pessoas atribuem a elas dons e qualidades majestosas (que elas estariam longe de possuir caso estivessem vivas). E, claro, não vou quebrar o protocolo: Ele tinha 16 anos e já era um homem incrível. Nunca se interessou pela escola, talvez soubesse (de alguma maneira ou quero crer nisso) que não ficaria muito tempo para usufruir de aprendizados para entrar numa universidade. Então, usufruía da vida de outras formas.

Minha mãe conta que meu irmão tinha 4 anos quando pediu um presente de Natal e ela não podia dar. Ele ao invés de chorar ou espernear, apenas disse que "Tudo bem" e escolheu outra coisa. Conta também que aos 4 anos ele cuidava de mim com alguns meses de nascida, enquanto ela ia a sua pós-graduação - Inclusive tenho uma foto dele me segurando nos braços, com apenas 4 anos e acho aquela cena uma coisa incrível. Sempre olho para essa foto quando tenho meus ataques infantis e medíocres - Devo dizer que a foto está envelhecida pela ação antropológica.

Digo, não quero torná-lo um herói ou coisa do tipo, mas meu filho, por exemplo, com 4 anos era um bebê, irresponsável e egoísta (como qualquer outra criança nessa idade que eu já tenha conhecido). Meu irmão não teve Natais incríveis, nem chegou aos seus 20 anos, não conheceu seu sobrinho, não me viu ganhar diploma (muitas vezes ele dizia "Não vou estudar, você quem vai me sustentar"). Não sei que feição teria com 30 e poucos anos, não sei se seríamos arquiinimigos ou se seríamos unidos. O que sei é que gostaria de ter sido sua Mamãe Noel naquele Natal que ele tinha apenas 4 anos.

Talvez, talvez mesmo essa coisa de Papai Noel permaneça existente na minha cabeça. Quer dizer, se minha mãe resolver contar-me que, de fato, ele virá, não vou contestar. Dessa vez, poderei beber algo estimulante para me manter acordada até que ele ponha o meu maldito presente dentro do meu scarpin pink de 15cm, sim, só posso pensar nele para essa atividade, já que não consigo usá-lo... Sorte do Papai Noel porque nele não tem resquício do meu chulé. Vejamos, o que eu pediria? Talvez um scarpin pink andável ou a paz mundial. Difícil questão...

Feliz Natal a todos!








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Postado por
Sarita


às
05:46












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